XXI - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


Tentar ser uma boa mãe, enquanto meu mundo desmoronava, foi o papel mais difícil que já interpretei. Sempre me policiava para que meus filhos nunca me vissem apanhar. Nunca permiti que a imagem do pai  fosse distorcido por causa da violência doméstica.

Ocorre o que a gente chama de "revitimização", em que todas as vezes que tem que lembrar o tema, revive o terror. Traz muita dor o fato de reviver tudo. E eu me lembro de cada violência sofrida. 

Certa vez, pedi pra voltar pro Porto. Meu tempo na Ação Social havia terminado. Fui trabalhar na portaria do Porto onde tinha algumas meninas, voltei como secretária do chefe da segurança e trabalhava com muitos guardas do sexo masculino. Eu tinha boa relação com todos. 

Certa vez, fomos fazer uma passeio de barco com as crianças, passeio esse que ganhei de um colega de trabalho. Falei com ele, tomei todo o cuidado para apresentá-lo para o rapaz que trabalhava comigo e nos dias de folga trabalhava de marinheiro em uma embarcação de turismo e tinha convidado nossa família para fazer um passeio de barco.

Lembro que foi um passeio muito bom em que aproveitamos e as crianças também. Tomamos muitas cervejas no barco, e ao sair da embarcação, minha filha pediu para fazer xixi. Como estávamos longe já do pier, falei com meu marido que a levaria no banheiro da recepção do Porto em que eu trabalhava.

Chegando lá, pedi pra ir ao banheiro, começou a zoação dos colegas de trabalho, e no meu marido vi aquele olhar tão familiar e assustador que tanto me afetava.

Chegamos em casa, as crianças tomaram banho e em seguida, entramos nós dois no banho e a surra começou. Sim. Eu apanhava porque "dei liberdade" aos meus colegas de trabalho. No banheiro, tentei me desvencilhar dele, ele me enforcava pras crianças não ouvirem meus gritos e pela primeira vez eles assistiram as cenas de violência. Levei muitos chutes no joelho. Meu filho era pequeno, pediu para o pai parar, eu mandava eles pedirem ajuda na rua e eles diziam que não queriam me deixar sozinha.

Eu sabia que meus vizinhos tinham chegado do Rio e estavam ao lado da minha casa, eu pedia socorro e ninguém vinha. Pedi pros meus filhos correrem pra casa da minha irmã e ficassem lá, e eles foram. Chegaram lá chorando. Ela nunca falou no assunto, nem eu. No dia seguinte, meu vizinho foi até minha porta falar com meu marido e viu meu joelho com um curativo, lembro que ele só falou: "Você precisa tomar mais cuidado". Sorri educadamente, e saí pro meu quarto chorar de vergonha. Eu sabia que ele tinha ouvido.

Aquele foi uma dos piores noites da minha vida. Mas descobri que depois viriam outras ainda piores.



Passava pela minha cabeça: por que eu to passando por isso? Por que ele faz isso comigo? Eu tinha vergonha. Eu só queria manter meu casamento. Não queria ser julgada socialmente pelas pessoas. Eu só queria que aquilo acabasse logo. Era horrível. Um sentimento de culpa muito grande. De acreditar que de certa forma eu merecia aquilo. No dia seguinte eu tomei coragem pra ir até uma delegacia denunciar meu marido. Mas ele não saiu de perto de mim nenhum minuto. Quando disse que eu ia sair, ele falou que iria comigo. Aquela tinha sido a gota dágua. Ele não feriu só a mim, mas meu filhos também.

As surras tornaram-se mais frequentes. Falei que queria me separar, ele sempre me ameaçava dizendo que eu não ia viver em paz, que ia mostrar todas as fotos de swing para meus pais e filhos, que me faria perder o emprego. Era um terror psicológico que eu nunca imaginaria viver. Fora o medo. O medo era constante.

Já não conversava muito com meus colegas do trabalho, porque ele sempre dava um jeito de aparecer lá. Pra me levar ao trabalho, pra me buscar ou dar incertas. diante de todos esses problemas e a exaustão, entrei novamente em depressão. Comecei a me tratar e fiquei dependente das medicações.

Eu vivia com medo. Ele estava novamente desempregado e eu via que o meu trabalho o incomodava. Depois de alguns meses, fui promovida à Chefe de RH na minha empresa. Meu marido ao invés de ficar feliz comigo, ficava me perguntando pra quem eu dei pra conseguir aquilo. No trabalho eu não podia ia a Happy hours, festas de fim de ano ou reuniões fora do horário de trabalho. Vi que algumas meninas repararam no meu relacionamento abusivo. Me perguntavam se estava tudo bem e eu sempre dizia que sim.

Certa vez recebemos a visita da filha mais velha dele em nossa casa. Ela sempre amou o irmão e tratava a minha filha como irmã também. Falou de como estava bem com os negócios e falou pro pai que gostaria que ele trabalhasse com ela. Achei que ali encontraria paz. Que ele pudesse trabalhar durante a semana no Rio e ir pra casa aos finais de semana. Mas o ciúme dele não deixou. Não poderia me deixar sozinha na cidade com as crianças. Falou que pra ir pro Rio teria que ser todo mundo.

Quando eu falei pra ele que eu estava com um trabalho melhor, que as crianças gostavam da escola e que seria difícil deixar meus pais aqui, ele me chamou de egoísta, disse que eu não queria vê-lo bem, que eu não dava chance pra ele crescer.

Foi com essa violência psicológica que ele me convenceu. Meus filhos não queriam ir. Eu ia sair da minha casa própria, as crianças deixariam a escola que elas amavam, os amigos e os avós para morarmos de aluguel no Rio com um trabalho incerto.

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